Rebentos 2022 – Sessão 6 | 11 novembro

Sentido e Razão, 2021

Realização, Argumento e Produção MARTÍN PIZARRO VEGLIA Interpretação ANDRES LARRAIN ARANEDA, FELIPE JESUS, MANUEL ALMONACID Música MILTON NÚÑEZ

Toda a gente conhece aquela célebre frase (mal) atribuída a Emma Goldman, figura central do movimento anarquista americano: “Se eu não puder dançar, esta não é a minha revolução”. Não que alguém o tenha dito por ela – ela simplesmente disse outra coisa. O que ela de facto disse foi que a felicidade teria de ocupar um lugar central no movimento, que a alegria não é apenas consequência da revolução, mas sua parte integrante. Martín Pizarro Veglia parece aqui dar “sentido e razão” não apenas à posição de Emma Goldman através dos dois dançarinos que ocupam as ruas durante os protestos de 2019, no Chile, mas também à própria práctica dos dançarinos. Não se trata, portanto, de dançar por dançar, mas de se apropriar do espaço público, dando-lhe um novo uso que tente escapar à dicotomia público-privado, central à construção do Estado moderno. O mesmo poderá ser dito do fotógrafo que documenta os protestos, as cargas policiais, os feridos, as barricadas. Mais do que uma ode à arte ou à sua dimensão política (“se esta não for política, não passa de decoração”, diz o fotógrafo), SENTIDO E RAZÃO mostra como as capacidades e saberes de cada um podem ganhar um novo uso nestes momentos que suspendem a temporalidade de um mundo que há já muito perdeu qualquer sentido e razão.

João Ayton

King Max, 2021

Realização e Argumento ADÈLE VINCENTI-CRASSON Produção GUILLAUME JOLY Elenco JULIE FURTON

King Max é um coming-of-age com temas que são cada vez mais comuns no cinema: o universo queer e as consequências e aventuras pessoais que este universo acarreta. O espelho, representado no primeiro plano do filme, é um elemento chave na construção da curta-metragem: é ele a representação do desejo de mudança, que se revela crucial para a personagem principal. O corpo e o olhar o corpo, através do espelho, mostram esta vontade que se revela quase como uma necessidade de mudança. Mais tarde, percebemos que este desejo se transforma numa outra coisa. Dentro de casa, a personagem principal sente-se refém, aprisionada e infiel a si mesma. A corrida que precede a cena familiar mostra isso mesmo, uma vontade de libertação, que talvez seja possível na festa à qual acaba por ir parar. Nessa festa, a personagem recebe uma makeover e, mais uma vez, com a ajuda do espelho e da performance de uma Drag King, esta compreende que a vontade de mudança que antes era tão indispensável se transforma mais numa necessidade de aceitação, dela sobre ela mesma. É naquela festa, que a nossa personagem compreende que não é preciso forçar a mudança, mas que simplesmente pode ser aquilo que quiser ser, quando quiser ser. Ouvimos “we don’t have any gender” e sentimos esta libertação acontecer. A personagem, que antes tínhamos visto fragilizada no espelho, torna-se naquilo que dá título ao filme: King Max.

Inês Moreira

Beyond, 2021

Realização, Argumento, Produção e Edição JULIUS LAGOUTTE Direção de Fotografia MORTEN VILHELM Som FREJ VOLANDER HIMMELSTRUP Elenco JOSEFINE FELDMANN

Cidade. Gruas. Uma mulher. Somos apresentados a esta personagem feminina, que sabemos ter acabado de perder o seu irmão num acidente de trabalho, que nos vai guiar ao longo do filme. Beyond compõe-se quer de planos em que vemos esta personagem, quer de planos em que vemos e ouvimos o que ela vê e ouve. É um filme desprovido de diálogo, cor e de personagens onde tudo se passa interiormente nesta personagem única que o acompanha do início ao fim. Este dispositivo parece bastar para nos transmitir a mensagem pretendida: uma viagem de aceitação a uma nova fase da vida, agora sem o seu irmão. Uma reflexão curta sobre a solidão, a perda e aquilo que fica para lá disso. Os espaços que eram antes habitados pelo irmão, são agora aquilo que restou dele e são abraçados dessa forma pela nossa personagem principal. As expressões faciais desta são aquilo que constrói a narrativa, num filme que fala através das emoções e dos silêncios. E, apesar de à primeira vista parecer de difícil empatia, o espectador acaba por se ver envolvido no filme através desta personagem feminina que o encara de frente numa quebra da quarta parede.

Inês Moreira

O Que Queda de Nós, 2021

Realização e Argumento MIGUEL GOMÉZ ABAD Produção LUCÍA CARRERA RODRÍGUEZ, EVA MARÍA FERNÁNDEZ PEREIRA Interpretação LIDIA VEIGA, MARÍA COSTA, LOIS SOAXE Som JUAN GARRIDO RODRÍGUEZ Edição LUCÍA ABELEDO

“Em tempos de auge, a conjectura de que a existência do Homem é uma quantidade constante e invariável pode entristecer ou irritar; em tempos que declinam (como este), é a promessa de que nenhum opróbrio, nenhuma calamidade nem nenhum ditador poderá empobrecer-nos” (Borges). Ao contrário do imaginário e das mais típicas representações do que seria o fim do mundo – as guerras nucleares, as catástrofes “naturais”, etc. –, Miguel Goméz Abad apresenta-nos em O QUE QUEDA DE NÓS um fim dos tempos bucólico, envolto por montanhas, ao som da chuva, na companhia de duas mulheres. Os seus contornos são-nos vedados, o “inimigo” não tem rosto. Mas é na aparente oposição entre a calmar- ia de uma vida nas montanhas e o seu entorno incógnito que jaz a virtude do filme: o apocalipse não contará com os seus cavaleiros, não será um acontecimento catártico, mas antes lento, moroso, banal e normal – porque normalizado. O fim do mundo é o que já aqui está, e o desmoronar de toda e qualquer experiência, a pobreza de toda e qualquer relação com pessoas, coisas e lugares, que cada vez mais se apresenta como inevitabilidade histórica e como único caminho possível, é apenas um dos seus sintomas. A catástrofe da nossa liquidação reside precisamente aí, em liquidarmo-nos uns aos outros no mais profundo desespero pela sobrevivência. O que resta de nós, então? O filme não o pergunta, afirma-o. Mas será isso o que nos resta?

João Ayton

Ficha Técnica

Direção do Ciclo Nuno Cintra

Programação Nuno Cintra, Inês Moreira, Carolina Pinto, João Reis

Produção Claraboia

Design Gráfico Ivânia Pessoa

Comunicação Joana Enes e José João Batista

Apoio Técnico Rodrigo Domingos

Folhas de Sala Inês Moreira e João Ayton