Folha de Sala Rebentos’24 sessão 1

Wetsuit, 2022

Realização e Argumento JOÃO SALGADO Produção LONDON FILM SCHOOL, MARIA MARTINS, MATHILDE JOUAUD Direção de Fotografia PABLO GARRIDO CARRERAS Direção de Som ALI KIVANÇ GÜLDÜRÜR Montagem HANNAH OWEN Elenco JOÃO MARIA GAIVÃO, JOÃO BERBERAN, NUNO LOPES, KRISTIAN V. SOUSA, JOSÉ MARIA BISPO, MARIA CHAVES, MARTIM FERON, SIMÃO SILVA, EVA FISAHN, GONÇALO APOLINÁRIO

Em três episódios de vidas aparentemente separadas, vemos um homem voltar a ser rapaz e um rapaz a tornar-se homem. Wetsuit agarra-nos pela mão e leva-nos por este caminho à beira-mar, atravessado por três rostos em três tempos. Sempre no mesmo estacionamento vazio junto à praia, com os pés na mesma areia e o mesmo carro abandonado ao vento, três surfistas vão descobrindo a sexualidade e o que espera deles um mundo que nem sempre tem uma ideia meiga da masculinidade. O crescer vai-se fazendo nesta terra sem dono, povoada de fantasmas — fantasmas de raparigas que não sabíamos ainda como amar, fantasmas daqueles que ficaram para sempre no mar e fantasmas daquilo que nos ensinaram a ser. O mar, que tudo escuta, é o seu interlocutor invisível, sempre presente pelo som, mas escondido do nosso olhar. É a testemunha da passagem do tempo, do crescimento às vezes doloroso que nos obriga a vestir e despir vários fatos. É no caminho para o mar que tudo começa e é na entrada mar adentro que tudo acaba.

Agora frenesim, 2023

Realização LAURA ANDRADE Argumento SOFIA COSTA Produção GUSTAVO AMARAL
Direção de Fotografia JOÃO CORTES Direção de Som ANA MENESES Montagem CATARINA JOÃO Elenco FRANCISCA SILVA, MARIANA SARDINHA, RAMONY LOPES, SÉRGIO MOURA AFONSO

É num museu, lugar que salva do esquecimento e preserva (como o cinema) que Vera é esquecida. Ela é invisível neste lugar com o peso da história pendurado nas paredes e o silêncio nas salas. Vive a olhar os outros sem ser olhada — um olhar simultaneamente tímido, curioso e sensual, que parece estar em busca de algo. Quando duas mulheres têm a ousadia de romper o silêncio com um protesto, há um movimento que se inicia em Vera, uma força motriz que se liberta. Em frente ao espelho, há algo que tem de ser despido — o cabelo — e com ele a ideia do que uma mulher deve ser. Perante os flashes de mulheres e homens que saltam dos quadros, olhando Vera nos olhos (o passado imposto sobre o presente), ela rapa o cabelo que vai caindo em mechas da sua cabeça. O que lhe revela o reflexo no espelho, o que lhe conta de si mesma agora? Os movimentos são os de um rosto que se confronta consigo mesmo, que se descobre como se se visse pela primeira vez. A sua nudez chega-nos também. Implica-nos. Acompanhamos um corpo que descobre os seus novos contornos sobre as ruas da cidade e experimenta que impressões deixa a sua sombra nas paredes. É um corpo que se lança finalmente para o mundo e passa a ser olhado. Agora, há espaço para o frenesim.

Mistida, 2022

Realização FALCÃO NHAGA Argumento PEDRO CABRAL, FALCÃO NHAGA Direção de Produção MARIANA MORAIS Direção de Fotografia CAROLINA ABREU Direção de Som DIOGO ALBARRAN Montagem MARTA LOPES Elenco BIA GOMES, WELKET BUNGUÉ

Uma mãe e um filho caminham até casa. Os espaços que percorrem evocam outros tempos e carregam memórias que o filho vai resgatando ao longo do caminho. É transportado para a sua infância, para o seu antigo caminho para a escola, para os romances de outro tempo. São-lhe devolvidas memórias que achava estarem perdidas. Passado, presente e futuro confluem e entrelaçam-se permanentemente nesta história que se vai construindo e revelando nos lugares de passagem, os não-lugares, onde nunca ficamos muito tempo. O filme faz o gesto de habitar esses lugares, de nos fazer parar e viver algo neles. Mistida compromete-se a olhar o que está perto, mas deixa-nos encontrar um mundo muito maior do que o do enquadramento. Os diálogos, na sua oscilação rítmica entre o português e o criolo, têm a força de criar paisagens para além dos lugares que vemos. As paisagens na Guiné, do sonho da mãe, em que há uma casa onde toda a família se encontra reunida, são chamadas para o filme. Há um peso das gerações que não são vistas, das origens que ficaram longe. Esta é a caminhada de uma mãe e de um filho, mas também é a caminhada de uma comunidade a viver depois da colonialidade. E a casa a que chegamos, no final do caminho, é uma canção. O murmúrio que ouvimos no início, por entre o ruído da cidade e dos carros que passam, revela-se finalmente.

Laura Lemos

Ficha Técnica:

  • Coordenação: Carolina Pinto e Nuno Cintra
  • Programação Rebentos: Carolina Pinto, Fábio Silva, Giuliane Maciel, Inês Moreira, Nuno Cintra e Vera Barquero
  • Coordenação Rebentinhos: Laura Lemos
  • Direção Técnica: Rodrigo Domingos
  • Comunicação: Giulia Dal Piaz e Joana Enes
  • Design: Ivânia Pessoa
  • Financiamento: Câmara Municipal de Sintra, ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual e IPDJ – Instituto Português do Desporto e Juventude
  • Apoio: teatromosca
  • Agradecimentos: Divisão de Educação e Juventude da Câmara Municipal de Sintra, Escola Básica Maria Alberta Menéres e Escola Secundária Leal da Câmara