Folha de Sala – Rebentos’ 23 sessão 1
Este ano de 2023 o Rebentos foi até à Escola Secundária Leal da Câmara, uma das maiores escolas secundárias do Concelho de Sintra. Levamos assim o cinema e realizadores emergentes diretamente a estes estudantes. É um passo importante para o ciclo, tanto por divulgar os filmes entre esta camada jovem, como por aproximar os estudantes do cinema e das pessoas que o fazem. Nesta sessão iremos viajar entre quem somos e como nos relacionamos com o mundo, através do nosso corpo, dos nossos amigos, familiares e aquilo que criamos em conjunto. São cinco filmes, de locais e contextos completamente diferentes, que colocarão os alunos a pensar sobre formas diferentes de transformar ideias e momentos em imagens em movimento.
CORPOREALITIS, 2018
Realização e Animação BEATRIZ BAGULHO Voz MADALENA REBELO Música AFONSO DE PORTUGAL Som BENJAMIM CASTANHEIRA Produção UNIVERSITY OF THE WEST OF ENGLAND
Numa quase performática curta-metragem animada, Beatriz Bagulho faz por dançar com o espectador, fazendo-o aproximar-se do seu próprio corpo. Corporealitis, um universo experimental de corpos sem cabeça, é o ponto de partida da viagem de Catarina, na qual a mesma deixa a sua cabeça para trás, numa quebra da ligação entre corpo e mente. Será este um convite a deixarmos o racional e cerebral de lado e trabalharmos o emocional e físico? As cores e vibrações do universo de Corporealitis trabalham esta ideia da emoção e do sentido, num filme que se aproxima da performance dançada ou musical.
O corpo em evidência é o corpo da mulher: corpo que menstrua, que dá à luz e que sofre muitas vezes com os ideais impostos pela sociedade na qual se vê inserido. O reflexo deste corpo, uma das primeiras imagens do filme, induz o espectador a olhar para o seu [corpo] refletido no espelho. Fica no ar a ideia se a pretensão de Beatriz Bagulho, através deste ato de contemplação, será uma forma de autoconhecimento que permite o amor pelo corpo através da mente.
Inês Moreira
MY TOY, 2023
Realização, Argumento e Produção MAZEN HAJ KASSEM Fotografia THOMAS KORSHOLM Montagem STEEN BECH Som RUNE KLAUSEN, NICK PALDORF Música SUNE KØLSTER Elenco ABDULRAHMAN CHABAANI, HASSAN EL SAYED, CAMILLIA KOLD KROHN GADEM, SILJA ELLEMAN KIEHE, RANA MAOUED, METTE HANSEN, VICTORIA FÆRCH, SABRINA MADELINE PEDERSEN
Em My Toy, as relações parentais ou os problemas em volta delas parecem ser o foco do realizador. Numa visita planeada aos pais biológicos, dois miúdos negligenciados e acolhidos por uma associação das autoridades, discutem sobre um brinquedo que parece ser partilhado. O coala de peluche, brinquedo referido no título do filme, é objeto chave na desconstrução desta ideia de pertença a uma família, que não tem de ser necessariamente associada a uma partilha do mesmo sangue. O brinquedo, para além de representar o suporte emocional que faltou na vida destas crianças e o abandono que possam ter sentido, serve como mecanismo de defesa. De facto, parece ser notória a distância emocional que impera entre as crianças e os seus pais, dado já não haver qualquer sentido de estrutura que justifique estas famílias estarem juntas.
A discussão em volta do brinquedo aparenta ser um truque planeado pelos miúdos que quando se encontram de volta ao carro (lugar seguro) param imediatamente de discutir. O brinquedo parece assim servir como fuga de uma realidade abusiva para a qual estas crianças não querem voltar. Este tipo de mecanismo é muito próprio de uma inocência jovial, e My Toy representa-a muito bem na ligação entre estas crianças que, após menosprezadas por adultos, encontram nelas mesmas uma espécie de família, na qual a proteção e a entreajuda existem.
Inês Moreira
FIFTY-FOUR DAYS, 2022
Realização CAT WHITE e PHOEBE TORRANCE Argumento CAT WHITE Produção CAT WHITE Fotografia COURTNEY BENNETT Montagem ROSIE LAKIN Música Original HOLLIE BUHAGIAR Elenco CAT WHITE, CELIA IMRIE, JOSHUA WILLIAMS, JULIET COWAN, DELROY BROWN.
A perda e o luto são experienciados por cada um de forma diferente e, muitas vezes, só completando o nosso luto conseguimos compreender o luto dos outros à nossa volta – esta é a mensagem principal do filme de Cat White e Phoebe Torrance. Em Fifty-Four Days acompanhamos Ruby, personagem principal, Josh, seu irmão, e Val, sua mãe, que partilham a perda de Delroy, pai de Ruby e Josh, e marido de Val. Contudo, apesar da perda comum, a forma como os três lidam com ela mostra-se distinta e, por vezes, desafia a relação entre eles. Ruby compromete-se a nadar no mesmo lago em que o seu pai se suicidou, durante 54 dias: um dia por cada ano da vida dele. Ao mesmo tempo tenta impingir esta forma de luto ao seu irmão, que se mostra relutante. Aquilo que ela não sabe é que Josh tem vindo a cultivar 54 girassóis, flor preferida do pai. No momento em que Ruby descobre isto, percebe que não estava a dar espaço ao seu irmão para que este pudesse viver o seu luto. É o lago e a relação de amizade que mantém com Gloria (uma senhora que também nada naquele lago) que a ajuda nesta compreensão. Fifty-Four Days é um filme que alerta para o tema da depressão e do luto e para a necessidade do cultivo diário das relações com o outro, que deve assentar numa base de amor e compreensão.
Inês Moreira
BENTUGUÊS, 2022
Realização DANIEL BORGA Argumento e Assistência de Produção SOFIA DA COSTA Direção de Produção e Assistência de Montagem IVONE GRADIM Assistência de Realização BEATRIZ JÚNIOR Direção de Fotografia e Operação de Câmara INÊS SEABRA Direção de Som ANA MENESES, GUILHERME CAPA Coordenação de Pós-Produção LAURA BAMOND Montagem CATARINA SILVA
Bentuguês começa por nos mostrar uma máquina do tempo construída de cartão pintada de várias cores e decorada com luzes em forma de estrela. Lá dentro, um trio de crianças viaja no tempo e no espaço, para a frente e para trás, até parar no presente, na Casa de São Bento em Caxias. “Vamos ver o que está lá fora,” dizem, e assim se lança o mote para o documentário de Daniel Borga sobre esta casa onde as crianças são recebidas depois das aulas. Aí, brincam, estudam, embirram uns com os outros, como é costume das crianças e adolescentes, falam sobre si, e imaginam o seu futuro. A câmara paira em seu torno, registando as suas vivências e funcionando como uma brecha pela qual espreitamos para as conhecer. O realizador move-se de trás para a frente da câmara com leveza, sendo também ele uma presença cúmplice dos jovens, confirmando a proximidade que o documentário criou com a comunidade que filma. Documentário este que soube também criar espaço para as fantasias infantis e juvenis, dando-lhes a liberdade de se mostrarem sem constrangimento.
Vera Barquero
TRANSPORTATION PROCEDURES FOR LOVERS, 2021
Realização HELENA ESTRELA Desenho de Som MARCELO TAVARES Cor MARTHA HELGA LÓPEZ Colaboração ALESSANDRA BOULOS, AMAT VALLMAJOR, BORJA RODRIGUEZ, CAROLINA BATTAGLINI, CRISTIANA CRUZ FORTE, CRISTOPHER RUIZ, DIOGO VALE, FERNANDO PEREIRA LOPES, GENESIS SCARLET VENEZUELA, HUMBERTO VALLEJO, JESSICA Y LEE, JULIANA PRÍNCIPE, JORGE CASTRILLO, LAURA MORENO BUENO, MARIA INÊS GONÇALVES, MARIANA SÁNCHEZ BUENO, MATÍAS PIÑEIRO, PABLO LILLO, TOMÁS PAULA MARQUES.
Neste filme experimental pensa-se a distância que nos separa daqueles que amamos e a melancolia que isso provoca em nós, assim como a vontade de eliminar essa separação. Transportation Procedures for Lovers é uma colagem de imagens, cartas, postais, tentativas de contacto telepático – tudo se imagina em busca de qualquer forma que nos aproxime de quem está longe, mas que queremos perto. O filme foi gravado durante a quarentena da COVID-19, onde esta separação ganhou uma nova e mais complexa camada, por nos vermos impossibilitados de nos mover para perto de quem amamos. Com essa realidade em mente, Helena Estrela inspira-se em procedimentos de transporte para situações de emergência, descritos em manuais de primeiros socorros, para explorar formas invulgares de transportarmos os nossos corpos quando queremos estar perto de alguém, talvez pensando essa sensação como uma emergência.
Fica evidente a valorização do afeto, do carinho e do toque, assim como sobressai a inquietação, e ao mesmo tempo a beleza, da saudade.
Vera Barquero
INDEFINÍVEL, 2022
Realização BERNARDO SEIXAS Produção MARIA GARCIA Animações e Gráficos LEONOR CAETANO
Indefinível é um documentário, uma reflexão-manifesto, que se propõe a pensar a arte – o que é e quem a faz e como se faz? São questões, como o título do filme indica, difíceis ou mesmo impossíveis de definir e o documentário estimula-nos a não precisarmos de definições para criar. “A arte está em todo lado” como vemos escrito num dos primeiros enquadramentos. O realizador Bernardo Seixas recolhe as impressões de artistas do universo Hip-Hop, combinando esses relatos com visuais diversos, nos quais conjuga vídeo com fotografia e animação. Ouvimos de que maneiras esses artistas da zona de Lisboa pensam a arte e os seus trabalhos individuais. As dificuldades que experienciam ao tentarem criar dentro do sistema capitalista são mencionadas, não nos fazendo esquecer que num sistema guiado pela ideia de lucro exponencial, a arte também fica circunscrita às leis do mercado, afetando as condições de criação artística e dos próprios artistas. As vozes entrelaçam-se ao longo do filme, trazendo questionamentos também sobre o processo criativo e sobre o que significa para cada um ser artista. Um documentário em que não ouvimos as perguntas, mas apenas respostas abertas.
Vera Barquero
Ficha Técnica
- Coordenação: Carolina Pinto e Nuno Cintra
- Programação Rebentos: Carolina Pinto, Fábio Silva, Giuliane Maciel, Inês Moreira, Nuno Cintra e Vera Barquero
- Direção Técnica: Rodrigo Domingos
- Comunicação: Giulia Dal Piaz e Joana Enes
- Design: Ivânia Pessoa e Mariana Correia
- Produção: Carolina Pinto, Sophia Poupinha, Nuno Cintra
- Vídeo Promocional: Carolina Pinto e Ivânia Pessoa
- Apoio: Câmara Municipal de Sintra
- Agradecimentos: Divisão de Educação e Juventude da Câmara Municipal de Sintra e Escola Secundária Leal da Câmara